quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

.poema suspenso [ou quase um poema].

cê tinha olhos de gente que chega pra ficar por um tempo
que a gente não mede, mas torce pra que não seja breve.

[pausa]

não entendo.
só sei que foi o suficiente pra que cê escrevesse dois poemas inteiros e um verso incompleto, sem rima ou qualquer cor.
- as palavras são incolores - você disse.
- eu vejo vida e sentimento em tudo - te respondi.

foi aí que a gente desandou. 
e começou a nossa sucessão de erros.
enquanto cê preferiu ficar suspenso, eu agarrei todas as incertezas e levei-as pra dançar, nessa confusão toda que é viver.
ousei palavras difíceis como reciprocidade, entendimento e tempo.
só que cê preferiu retribuir com silêncio, vazio e distância. 
mesmo sabendo que são essas as três coisas que mais me ferem, além das minhas próprias escolhas.

- eu não sei fazer rima - já tinha te dito.
- gosto da solidão - você me advertiu. 

e eu deveria ter entendido que algumas coisas precisam de pressa.
outras, de espaço.

- o meu tempo é diferente do seu - conclui.
- as portas estarão sempre abertas - você se despediu.

[recomeça]

desde então, eu sinto todo dia uma vontade grande de entrar.
te pegar pela mão e mostrar que vai ficar tudo bem, mesmo quando já não for mais carnaval.
mas aí, lembro que o caminho sempre apontou a minha partida, que ainda é só o começo do verão e que não estarei mais por perto na próxima primavera.

porque seus olhos de espera, me ensinaram que é sempre cedo demais para querer ficar...



terça-feira, 13 de dezembro de 2016

.c'est fini [ou o tempo certo das coisas].

se fizeres teu caminho inverso, qualquer hora dessas a gente se esbarra.
e, com sorte, reescreve todo o passo que desviou.
mas por agora, deixa! que eu não sei inventar um jeito de não partir e tenho chão demais pra riscar com carvão e giz. 

.do outro lado.
dentro.

que, embora a gente ainda prefira acreditar que amor da vida não existe, eu quero construir morada num coração aberto, que tire meu silêncio pra dançar sempre que os dias pensarem em se resumir em solidão.
não pense que não me dói qualquer partida.
mas é que fiz desse sorriso meu escudo. 
e aprendi desde menina que o mundo é grande demais pra gente fincar estaca em qualquer chão.

por isso falo baixo.
ouço mais do que digo.
pareço às vezes não me importar.
desconfio da esmola.
desconfio do santo.
tenho medo do mar.

há de chegar o dia em que nosso silêncio vai dizer tanto! 
e a gente não vai mais precisar partir.
ou insistir.
até lá, tem café fresco e forte no bule na cozinha,
pra que seu dia passe e você sequer sinta que faltou alguma coisa.
porque vai ver, nunca faltou nada.
vai ver, o vazio sempre veio do meu peito.
e das minhas vontades de voar...





sábado, 12 de novembro de 2016

.nesse seu passo que é mar.

deu nos jornais que teu peito virou mar.
me preocupei.
capaz desse sentido teu inundar meu pranto inteiro.
[eu não sei nadar]
e por mais que eu não me importe em me afogar nessa sua imensidão,
eu tenho é medo. 
de aprender a respirar seu tanto,
e me perder do ar quando voltar à superfície.
porque a gente sempre volta um dia.
cê sabe:
não tem direção essa condição de "se".
e por mais que a gente aprenda toda a conjugação imperfeita do nosso verbo,
me assusta essa sua capacidade de ser mar.
que te coloca nos olhos essa fúria inconstante das ondas
e te dá no rosto-voz-sorriso-jeito, 
toda a calmaria de a-mar.
com "a" de alma.
com "mar" de tanto.

- calma. daqui a pouco chega o verão trazendo pra perto todo esse nó,



quinta-feira, 27 de outubro de 2016

.quando estiver quase esquecendo.



sou de choro fácil. e jamais me esconderia de você por trás das suas cortinas. 
desculpa. é que tenho medo de tudo. sempre tive. 
(de altura, da solidão, do barulho, do cheio, do vazio, da perda, da entrega, dos encontros). 
e de todas as vezes, essa não podia ser diferente?
não, não foi. 

é que eu sofro de distâncias. sempre sofri.
e quando parei nos seus olhos, eu entendi porque alguns abismos são maiores que os outros.
"e aí, vai saltar?"
é que ainda tenho medo de tudo. sempre tive.
(do seu sorriso, do seu abraço, da sua voz, do seu silêncio, do seu passo, desse encontro).
e de todas as ilusões, essa não poderia ser diferente?
talvez, mas não sei.

é que sou de Libra, com Lua em Câncer.
e não sei esquecer. 
e não sei amar de jeito simples. 
e não sei como te dizer "não vá embora".
me ensina um jeito de te fazer ficar?
porque eu tenho medo de tudo. e sempre vou ter.
(das minhas memórias, dos meus destinos, dos meus sonhos, da minha voz, dessas palavras).
e de todos os medos, esse não poderia ser diferente?
sim, mas não foi.

é que eu aprendi a coragem e a conjuguei com a solidão.
assim mesmo: sem eira, sem beira, sem verbo.
por isso eu vou ter sempre medo de tudo. 
(de onda em mar revolto, de voar ao lado da asa, de ir embora e deixar a mobília, de ficar e não ter nunca mais pra onde ir, de te deixar pra trás) 
e de todos os amores supostos, esse não podia ser diferente?
sim. e é... 

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

.eu não sei dançar a dois.

o ponteiro do relógio marcava um tempo diferente do meu.
enquanto cê me explicava a diferença entre verso, estrofe e refrão, eu olhei no fundo dos seus olhos e te contei:

"eu não sei fazer rima. 
então não me queira poesia".

cê sorriu. 
aquele seu sorriso leve, de quem acha graça sem pressa e enlaça o silêncio pra gente não se soltar.
que se cê não se importasse, eu pediria permissão pra morar dentro do seu riso todas as manhãs. 
e cá no fundo, eu sabia que toda essa minha urgência em fazer parte do seu passo, ia acabar me deixando sem eira, beira e sem rumo de voltar.
porque é assim: 
toda vez que a gente encontra alguém que enche nosso peito de vontade de ter paz, a gente fica meio achando que é preciso segurar pelas pernas, pra não escapar. 
cê me disse, com os olhos, que não ia a lugar nenhum em que eu não pudesse estar.
e eu não entendi.
danei de colocar-te um peso nas costas e fui embora, mesmo sabendo que deveria me encostar no seu peito só pra ouvir seu coração pulsar.

"eu não sei dançar a dois", te escrevi.
"dois pra lá, dois pra cá", cê me respondeu.
e foi nesse compasso, que eu achei muito mais delicado te fazer melodia e não poema.
pra se cantar.
te (en) cantar.

silêncio.



quarta-feira, 19 de outubro de 2016

.[do livro de cartas] todo início de amor.

Bisa sempre me disse, Salvador, que a gente só ama uma vez. Sempre achei isso muito perigoso... E se o amor passar por nós sem que a gente perceba? Teremos perdido aí a única chance que a gente teve de amar?

Eu gosto de você. Ainda não sei o que isso quer dizer, mas saber que o seu sorriso é o mais bonito desse mundo, me conforta. Chega a me doer o peito essa sua ideia de ir embora outra vez. De pensar nisso, me parece que vou perder o fôlego aos pouquinhos e ficar sem ar até que você volte.

Eu tenho medo que você fique e seja infeliz. Eu tenho medo que você parta e seja tão, mas tão feliz, que nunca mais volte. Eu tenho medo de imaginar que os dias sem você vão ser minha maior dor de cabeça... Mas eu preciso deixar que você vá. Que de todas essas opções, a que eu mais temo é a primeira, somada à ideia de que aqui, você nunca realizaria seus sonhos...

O mundo é grande por demais, Salvador. Mas visto assim, pela lente dos seus olhos, ele fica tão possível, que imagino que se a gente apertar um pouquinho, conseguimos até coloca-lo em uma garrafa.

Se isso é amor? eu não sei. Sei só que meu coração entra num ritmo descontínuo sempre que você diz que vai chegar. E então eu sinto aquelas palpitações leves no estômago e dou sorrisos pequenos, como se eu ainda acreditasse que é possível ser feliz...

Tomara que Bisa esteja errada e a gente tenha mais de uma chance de amor. Desconfio, aqui dentro, que se assim fosse, em todas elas eu amaria você. 

Sempre com sorrisos,

Alice.



segunda-feira, 10 de outubro de 2016

.entreaberta.

quando cê foi embora, eu fiquei um tempo sem saber o que é que teria sido.
aí, eu fui perdendo as forças e a noção das coisas, como se de repente, eu não morasse mais num reflexo de espelho... eu fiquei sem lugar. como quando a gente quase se afoga e fica remando, debatendo os braços, pra tentar sair daquela água e se salvar.
eu me afoguei na sua partida de um jeito que sair era difícil, mas ficar também eu não podia. 
aí eu passei a inventar as coisas, fingindo que amor e dor não combinam.
desse jeito, aos poucos, cê foi se transformando em uma pintura bonita, desbotando nas paredes de mim.
de vez enquando, nos intervalos entre uma saída e outra, ainda sinto vontade de te alcançar de novo, só mais uma vez. e, como se nada tivesse acontecido, te dar um abraço aconchego. solução pra ser silêncio e não mais pavor.
mas cê sabe também... não dá jeito mais de ser, quando a gente já não mais é há tempos.
aí, eu faço desses dias nublados minha oração. e quase em prece, recorto seu sorriso das nuvens, procurando um pouco de azul.
funciona.
e tem sido um gosto descobrir cores de novo...



terça-feira, 13 de setembro de 2016

.[do livro de cartas] sobre a mágoa.

Salvador,

de repente vinha uma saudade levinha, cortando em cheio o coração. nessas horas eu tinha vontade de te escrever, nem que só pra dizer que você não foi justo ao ir embora. mas aí, no mesmo instante eu me recompunha, lembrando você dizendo que a gente não precisava de justiça. 
e sim de amor. 
então eu esquecia (ou fingia) e tratava de ir fazer outra coisa: ler um livro, pintar um pouco, olhar os minutos mudando no relógio digital na parede. 

foi difícil não pensar em você, Salvador. principalmente porque sua partida me ensinou a sentir tanto a sua falta. fez-se um vazio enorme em meu coração por dias... eu troquei as músicas, eu reinventei as cores, eu mudei de lugar. mas sua sombra continuou me seguindo e, aqui no fundo, eu tenho a impressão delicada de que vai ser sempre assim.

eu não sei se o amor me alcançou, Salvador. 
sei só que ele me aconteceu várias vezes, como se fosse a coisa mais bonita. 
e me deixou tantas outras, como se meu coração não fosse um bom abrigo.
não sei se é assim que se diz. também não sei fingir tanto desafeto, com tanta coisa (des) acontecendo ao mesmo tempo. 

mas peço apenas que não te preocupes. e que não mais me escreva, por enquanto. me conheces bem pra saber que guardo mágoas. e mais um pouco, pra saber que vai passar. só preciso desse silêncio e de inventar duas ou três esperanças bobas pra voltar e te dizer que "já esqueci". no entanto, agora, é setembro. esse calor de quase primavera me assola e desorienta. e ainda não estou preparada pra mais uma despedida.

porque é isso que me vem sempre que você chega: o medo descontrolado de te ver partindo outra vez. me perdoe se não tenho mais a mesma ilusão...

sinto muito,
Alice




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quinta-feira, 8 de setembro de 2016

.as cores da nossa partida.

*

aprendo um pouco todos os dias.
cê sabe: as coisas não têm sentido pra mim, se passarem em branco pelo coração.
foi exatamente por isso que cê ficou aqui dentro por tanto tempo: chegou fazendo barulho e pintando minhas paredes todas com aquarela, como se eu fosse uma tela em branco, esperando seu toque leve me alcançar.
o que a gente não sabia, é que o tempo desbota tudo. aí, aos poucos, cada risco seu foi se transformando em um desgaste aqui dentro, sem a gente nem perceber.
e então eu aprendi... que tudo que não é feito pra durar, vai embora uma hora ou outra.
mesmo que devagar. 
mesmo que demore anos.

*

cê foi embora e eu nem vi. 
e eu só fui perceber que cê tinha ido, quando cê voltou muito tempo depois e me pareceu que fazia uma falta imensa.
só que não demorou muito, até a gente enxergar que o mesmo tempo que desbota, traz também cores novas pro nosso coração. 
e eu pintei meu caminho num tom diferente do seu.
e cê se fez n'outras cores, no meio de um desencontro que a gente no fundo escolheu.
não carece de explicação: cê vai ter parte do meu amor por onde cê for.
que amor, não tem tempo que desbota.
nem se a gente esfregar as paredes com outra cor.

*

domingo, 28 de agosto de 2016

.[do livro de cartas] sobre o amor.

querida Alice,

voltar não estava nos meus planos. e acho até que nem nos seus.
mas li, semana passada, um texto que me lembrou uma de suas cartas: "porque às vezes o amor nos alcança. às vezes, não". por isso resolvi te escrever. saber como você está. como sobreviveu aos ventos de agosto. como tem sentido a primavera. se tem sido fácil seguir.

o amor te alcançou, Alice. vê só que coisa mais bonita... 
e ele te alcança a todo tempo: quando você sorri, quando você sonha, quando você tem fé, quando você encontra suas memórias e ouve suas músicas preferidas. e ele só te alcança, querida, porque é bonito permanecer ao lado do seu coração, ouvindo suas batidas leves e descompassadas, nesse samba antigo que é o seu viver.

por isso, minha Alice, não se amedronte se o passo mudar de cor, se o tempo passar depressa demais, se o vento virar de direção. se atenha à prece do seu coração. ela sempre vai te guiar pelo caminho mais bonito. e eu vou estar sempre por perto. que nem margarida. que nem cheiro de flor.

com afeto,
Salvador.

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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

.é quase tempo de florir.

o que você precisa, minha querida, é de uma boa xícara de chá e alguém que abrace seu coração com força. eu sei que agosto não tem costume de ser seu mês preferido e essa culpa é um pouco minha, que te fiz crescer acreditando em seu agouro. mas eu te ensinei também que, quando ele passa, logo vem setembro te trazendo a primavera. e é nela que você precisa ter esperanças. porque não há dia cinza que resista ao perfume das rosas nos jardins nem ao vento leve que ela carrega pelas janelas. portanto, não me justifique suas angústias, escondendo seu sorriso atrás delas. 

eu sei do seu coração, eu compreendo seus medos, eu reconheço sua dor.

mas olha: tudo isso logo passa e você reencontra o caminho do seu sonho. pra seguir, pra realizar, pra construir, como a vida te ensinou desde que você inventou de que o mundo sempre seria mais bonito, se a gente fizesse dele poesia. e de cada curva um verso e uma rima. 

acalma seu coração. que quando perceber, já terá tirado de novo os pés do chão, pra tocar todas aquelas estrelas infinitas. aprenda a se perdoar... primeiro.


com carinho,
Bisa.

ps.: quanto a agosto, não podemos fazer nada a não ser olhar pra ele com amor... esquecer que ele nos toma, e toma-lo com delicadeza e força. era assim que seu avô fazia. e foi assim que ele me fez acreditar.


sábado, 23 de julho de 2016

.para quando eu me for.

cada pedaço meu vai guardar uma saudade sua. nessa vida, que é minha escola desde que danei de pôr os pés pra fora de casa e ganhar o mundo, tudo de mais precioso que aprendi é que não importa o tempo, nem o esquecimento: se a gente nasce pra ser feito de memórias, elas vão junto com a gente pra qualquer lugar. e entender isso, é o mesmo que saber que você vai comigo pra São Paulo ou pra Paris, dentro dos meus olhos e do meu coração. 

não, meu querido. esse não foi o fim que nos escolhi. porque por mim, eu não teria nunca que escrever o final das nossas coisas, já que ele me dói, feito corte fundo na carne. e me sangra, feito vendaval levando todas as folhas das árvores da sua rua para o chão. no fundo, de verdade, eu queria mesmo é gastar o tempo escrevendo nosso (re) começo. pinta-lo com sua cor preferida, te dar a chance de realizar todos os seus desejos e cruzar o céu na melhor companhia. 

que é o seu sorriso. 

mas veja bem: eu levei um longo tempo para aprender a salvar o meu próprio coração de se afogar, nesse mundo que é feito mais de mágoas que de ilusões. e agora, justo agora que aprendemos a nadar, eu entendo que seria preciso mais fôlego pra te guiar pela sua travessia, até você chegar na nossa margem. e eu até tenho disposição; não sou de fugir do amor. mas não posso te obrigar a nadar, se a única coisa que tenho pra te dar são as minhas melhores lembranças e a esperança de que tudo vai se ajeitar. 

por isso, não espere que eu fique aqui por todo o tempo, nem pense que não sentirei sua falta quando eu me for. mas é que eu prefiro que cada pedaço seu guarde uma saudade minha, do que te ver morrer em dor. eu não saberia te salvar. eu nunca soube te salvar...

domingo, 10 de julho de 2016

.sorriso em verso.

não importa o que foi que te trouxe aqui... 
entra, mesmo assim. senta, toma um café forte pra cortar do peito a solidão. 
cê tem essa mania meio boba de fugir das coisas, desses sentimentos que te carregam e movem o coração. 
mas não carece ter... aqui cê tá seguro, aqui seu peito vai ter sempre o afago de uma porção de sorrisos, que ficam mais bonitos quando cê chega e diz de manso que quer morar no nosso coração. 
esse medo todo é uma bobagem. que eu entendo, porque eu não sei julgar seus passos, nem amaldiçoar suas escolhas, nem atravessar seus olhos quando estacionam nessa confusão. 
mas coloca toda sua força na mala, que junto dela a coragem vai gostar de servir companhia. 
e abre essas portas daí de dentro. e vem escrever um poema aqui de fora. 
que ainda tem muito mundo rimado em verso pro seu desejo alcançar. 
que seu sonho é grande, mas nada é maior que seu doce coração.
que quando cê piscar já é verão, na sua obrigação lenta de ser feliz outra vez.
e aí, cê não vai poder doer mais nada. 
só ir em frente, pelo caminho que escolheu...


domingo, 26 de junho de 2016

.attraversiamo.

atravessei a cidade inteira ouvindo sua canção preferida. chorei. algumas distâncias doem mais do que as outras. e não há uma forma de passar pelos dias, sem cicatrizes, quando aprendemos que é sempre preciso fazer escolhas. eu não sei o que seria se tivesse ficado. talvez você tivesse sido feliz. talvez a gente tivesse ido longe. talvez tivéssemos criado os mesmos sonhos, que tomariam outra proporção se realizados juntos. algumas perguntas nunca terão resposta. porque é preciso mais que coragem para encarar alguns abismos. é preciso mais que paixão para preencher alguns vazios. é preciso mais que olhos doces para encarar o céu de inverno dessa cidade cinza. no caminho para casa, Florence gritava em meus ouvidos, 'leave all your love and your longing behind, you can't carry it with you if you want to survive'. deixei escorrer o amor e a saudade com as últimas lágrimas que ficaram do lado de fora. a gente vai sobreviver. e, dessa vez, eu não senti que perdi alguém...



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segunda-feira, 20 de junho de 2016

.[do livro de cartas] com amor, Bisa.

hoje é o último dia de outono. e se eu pudesse, queria lhe fazer um pedido: para atravessar o inverno, não feche os olhos nunca mais para as verdades do teu coração.
sim... elas vão te levar cada vez mais por caminhos desconhecidos, mas você terá sempre a graça dos encontros e o aconchego dos abraços pra voltar.
então não te esqueças...
que se eu pudesse lhe dar um presente para aquecer teus próximos dias, eu encheria teu coração com o sabor doce daquele leite com açúcar e canela que tua mãe fazia quando anoitecia.
e então eu desejaria que você não se culpasse, nunca mais por suas escolhas. elas vão ser sempre parte do teu destino e é por elas que teu coração vai continuar a bater. 
porque estás viva, porque são tuas escolhas [e de mais ninguém] que te fazem viver.
eu sei que as palavras são um pouco duras algumas vezes. 
mas quando assim for, quero que se lembre:

do seu filme preferido.
do meu desejo para você.
do amor que sinto.
do enorme amor que tens no coração.
para que não desistas, nunca mais, dos sonhos teus.

"então, minha querida Amélie, você não tem ossos de vidro. pode suportar os baques da vida. se deixar passar essa chance, com o tempo seu coração ficará tão seco e quebradiço quanto meu esqueleto. então, vá em frente, pelo amor de Deus!".

não se vive o outono mais de uma vez a cada ano. 
não se encontra sentimento verdadeiro mais de uma vez em cada vida.
então, vá em frente, minha querida. que cicatrizes você já tem. 
e não tens ossos de vidro. que já é tarde demais para se arrepender.

com carinho,
Bisa.

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quarta-feira, 8 de junho de 2016

.cabe na simplicidade.

se cê vier ainda hoje, antes das seis, vai acontecer de cê me achar meio cinza, nublada dessa coisa toda que é viver.

mas eu vou gostar que cê se achegue. capaz até que eu passe um café, desses bem fortes que é pra acordar o peito e deixar de lembrar dessas coisas ruins.

no entanto, se cê preferir não me ver assim - cabisbaixa, olhos adormecidos, coração meio frio -, deixe pra vir quando for sexta-feira.

que eu me preparo melhor.

[abro vinho, colho flor, curo o coração, talvez tenha sobremesa e eu já tenha secado esse temporal]

a gente pode até deitar no céu pra ver estrelas no chão. ou falar dessas coisas que deixam a vida mais bonita. e que cê carrega. e que cê me dá só de sorrir.

é de sofrer mesmo, um pouco, quando se deixa tocar pelo amor. ou pela ideia do que ele pode nos fazer.

mas cá dentro, nessa minha alma meio calejada desses dias cada vez mais sombrios, cê tem sido a coisa boa de viver. tipo vó dizia, quando a gente passava horas sentada na mesa da cozinha, comendo biscoito de polvilho com suco de pêssego: 'ô trem bão, minha filha!'.

- mesmo assim,

cê vai dizer. e eu vou repetir que sim, que mesmo assim. com tudo acontecendo desse jeito, essas formas nada geométricas e cê crescendo em mim de um jeito visível, como se a gente pudesse... 

cê veio pra ser minha coisa boa, mesmo sem se poder ser. e ainda que cê se demore, cá no fundo eu perdi a pressa. só por hoje. que é capaz até de eu abrir um sol tamanho só pra te proteger do frio e te ver dançar...



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quarta-feira, 1 de junho de 2016

.enquanto for.

o dia acordou junho.
em uma preguiça envergonhada de abrir os olhos
e (re) começar.

há recompensas lá fora
em forma de céu azul e previsões de chuva.
há esperanças aqui dentro
em forma de sorrisos eternos e lembranças de amor.

um desejo:
que a gente caiba nas mesmas canções e nos mesmos versos doces, 
enquanto ainda for inverno

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quarta-feira, 18 de maio de 2016

.[do livro de cartas] sobre os começos.

Bisa,

É com alegria (e um pouco de espanto) que lhe escrevo. Alegria porque consegui seguir sua receita e preparar minha primeira geleia com morangos e açúcar mascavo. Mãe disse que acertei no ponto e no gosto. Sorri.

Aí a senhora deve se perguntar de onde vem o espanto. E eu digo: é da vida, Bisa. E das voltas que ela dá enquanto a gente só tenta acompanhar os ponteiros do relógio. A gente acha que está fazendo tudo certo, não é? E troca uma porção de incertezas por um lote novo de ilusões. Não sei se isso é bom, ruim ou invariável. Nem sei também se faria tudo diferente se hoje fosse ontem e eu tivesse, outra vez, a chance de escolher pra que lado ir. 

Me confortam suas previsões ao dizerem que estou caminhando bem pelo meu destino e que logo logo eu chego onde sempre quis estar. Faz-me pensar que isso tudo é passageiro e assim justifico meus vazios. 

Mas me assusta a parte de amar, Bisa. Porque sempre achei que o amor não me coubesse e é aqui que lhe conto um segredo: é que por hora, acho sim que o aprendi nessas últimas semanas de outono em flor. E percebi que ele tem muito mais a ver com 'um ver o outro sorrir' do que com o nosso sorriso em si. Compreende? Essa coisa de querer que o outro seja tão feliz, mas tão feliz, que chega a nos doer a sua tristeza e a nos conformar a lutar por sua alegria, por mais que ela nunca seja vivida ao lado nosso. 

Eu sei... você vai me dizer que sentimento não é coisa que se aprende, nem se teoriza, nem se descreve dessa forma tão confusa. Mas se não for isso (amar) acho que quero morrer sem saber, Bisa. Porque tenho achado tão bonito isso de passar os dias com o coração cheio, os olhos em brasa, a cabeça voando, ainda que com tanto-não-saber-onde-vai-dar-porque-ainda-não-se-pode-chegar-a-lugar-algum, que não quero que o amor seja outra coisa, nem que nasça em outro ninho.

Ando tranquila, Bisa. Uma tranquilidade que chega a beirar a paz. Mas não larguei mão da minha melancolia, não se preocupe. É ela quem comanda meus discos, minhas cartas, meus quadros, meus poemas. É ela que me finca os pés no chão, enquanto o coração só quer flutuar por aí, numa liberdade gostosa de quem encontrou um lar pra onde voltar.

Sinto saudade, Bisa. E ela é doce como a segunda leva de geleia de morango, que deixei esfriando na cozinha. 

com amor (e menos espanto),
D.



quinta-feira, 12 de maio de 2016

.[do livro de cartas] tempo de delicadezas.

lembra de quando você me fazia rir descompensadamente como se o mundo todo fosse acabar naquele momento de alegria? acho que você nunca soube o quanto eu tinha felicidade e como ela era, em partes, coisa do seu coração querendo a todo momento abraçar o mundo. eu sempre achei bonita a sua maneira de ver a vida como se ela pudesse ser sonhada a todo tempo. e achava bonito também como os dias com você pareciam sempre uma grande festa (e eles de fato eram). de certa forma, sempre teve um pouco de você nos meus caminhos, desde o dia em que você me fez ver o mundo pelo lado de fora da janela, em um momento em que a vida me chamava cada vez mais pra dentro.

eu sei que a gente não deve se culpar pelo tempo, pela distância, pelas escolhas. está escrito nas nossas entrelinhas (e eu sei que você também acredita nelas) que as coisas são como tiveram que ser e só nos resta olha-las com ternura. seu lugar será sempre no espaço mais doce das minhas lembranças, até mesmo quando eu quiser esquecer (outra vez) seu sorriso fácil de quem sempre esperou demais do mundo e ao mesmo tempo, era tão feliz nas simplicidades.

e queria que você soubesse que não importa onde nem com quem a gente esteja; nem quantas histórias juntamos pelo caminho; nem em quantos pedaços dividimos nosso próprio coração; ou quantos sonhos realizamos e quais deixamos de viver; e quanto tempo passou; e quantas marcas inconscientes a gente se deixou. vai ter sempre um bem querer enorme guardado no coração... e esse há de prevalecer por todo nosso caminho, para não deixar que a gente se perca, seja como for.

espero que você não se esqueça...
com todo amor,
D.

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"abre a janela agora
deixa que o sol te veja
é só lembrar que o amor
é tão maior"


terça-feira, 3 de maio de 2016

.cores de outono.


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uma das coisas que mais gosto no outono é a cor do céu quando é dia. olha agora, pela sua janela, que coisa mais bonita: é de um azul extremo, que de tão intenso, chega a nos comover em alegria. dá-me vontade de ficar sempre a céu aberto, catando as nuvens para afasta-las de encobrir tanta cor. por isso fico pouco em casa entre março e junho: coleciono os entardeceres pra lembra-los sempre com esperança quando é verão.

depois vem o pôr de sol; segunda coisa mais bonita pra mim nesses outonos. eles chegam pra quebrar esse azul e finalizar o dia num misto de laranja-lilás-azul-escurecendo que me dá de novo aquela crença nas coisas belas da vida, nos milagres, nas esperanças, nas doçuras.

eu sempre achei pecado que as pessoas permitam que passem todas as estações como se fossem iguais. porque elas não são. sentir suas mudanças é ter sensibilidade pra perceber a vida, que muda sempre também, dependendo da frequência em sintonia no nosso coração. 

mesmo que achem por demais melancólicos os dias de outono, eles são meus preferidos. dão-me disposição pra recomeços, força pra ir adiante em meus propósitos, coragem pra encarar alma, corpo, coração. como se fosse um ciclo: os outonos me dão alegria pra viver os próximos verões, que por sua vez me dão durezas, para ter ânsia de paz pela estação das folhas secas.

que a gente, então, não se esqueça: mesmo quando o coração está em nuvens, de ter uma estação do ano preferida para sorrir e esperar que ela alcance nossos sentidos, olhos, e nos tire pés-no-chão. porque é assim que se flutua em meio a esse azul-céu.




terça-feira, 26 de abril de 2016

[com amor]


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aprendi com o passar do tempo que chá cura tudo: gripe, dor de garganta, friagem, voz rouca, invernos rigorosos, pedras nos rins. 
acalenta a alma, encobre o peito, cuida feridas, embrulha a gente em um pacotinho quando o coração fica apertado demais e tudo que precisamos é de um instante de esquecimento...

deixei que o cheiro de limão tomasse conta do quarto e se espalhasse aos poucos pela sala. com cuidado, cada gole quente e amargo pedia que eu deixasse ao tempo tudo que as mãos não saberiam tocar mais sem doçura ou delicadeza.

não é culpa, nem desculpa, chorar um pouco quando se olha nos olhos do amor. e não se deve esquecer: o cheiro, o gosto, o som, o toque, a alegria, a vida presa em cada instante que, por pouco, não se transformou em pó. 
é que amor machuca, eu sei. mas me ensinaram que não se deve ter tanto medo assim quando há certeza no coração. 

por isso, organizo cada lembrança em seu lugar devido. 
e espero...

porque, "quem dera se a gente pudesse viver esquecendo que existe tempo"... 
que se assim fosse, seria em sua mão que a minha seguraria pra atravessar esse mundo que pede tanto que a gente tenha coragem. 

e sigo...
porque prometi... 
e porque aprendi, também, que é chegada a hora de tudo: dos encontros, das despedidas, dos reencontros, dos caminhos. 
que enquanto isso, tem um vento bom lá fora que anuncia que, enfim, esse verão vai nos deixar viver toda a calmaria dos outonos que perdemos só porque era cedo demais pra ficar...

terça-feira, 19 de abril de 2016

.avessos, atravessar.

daqui, do meu lado da rua, posso ver você abrindo e fechando os olhos devagar, como quem tem uma leve empatia por essas manhãs nubladas. eu sei que você vai dizer pra moça ao lado que apesar do frescor, você preferia estar dormindo, ou vendo um filme, ou lendo um livro, ou viajando para Paris. ela vai sorrir um pouco sem graça, dizer que você pode, porque é "só querer de verdade" e as coisas se realizam e você vai se sentir perdido outra vez, porque já lhe ensinaram há algum tempo que nem tudo é como a gente deseja...

daqui do meu lado da rua, posso ver você pegando seus óculos e guardando-os no bolso, porque "hoje não é um bom dia pra ver o mundo com nitidez". e os prédios parecem estar saturados dos seus passos e as calçadas querem, até, abrir tropeços para que você perceba, em entrelinhas, que a vida vai ser sempre um solavanco, enquanto a gente não se pertencer...

{per.ten.ci.men.to.} aquilo que faz parte de.

se não fosse esse resto de verão a se arrastar sobre nossas costas, fora de época, sem tempo nem destino, talvez não nos restasse dúvida ou solidão. mas, daqui do meu lado da rua, vejo uma longa espera, até a próxima estação. enquanto você caminha sem me atravessar...


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Cat Power, 'I Found a Reason'

domingo, 10 de abril de 2016

.amor em pedaços.

você se lembra, minha pequena, dos risos divertidos que davas toda vez que tinha 'amor em pedaços' nos potes de doce na geladeira? era tua sobremesa preferida quando criança. acho que um pouco pela acidez do abacaxi, que eu tirava com aquela calda doce, e outro pouco pelo açúcar refinado, cobrindo cada pedacinho. 
lembro como se ainda fosse hoje: achavas engraçada essa ideia de comer o amor. 
ah, amor! esse sentimento que era tão inalcançável, mas que você aprendeu, aos trancos e barrancos, que é preciso ter muita garra (e doçura) para não deixá-lo fugir por entre os dedos.
não me venha com essa tristeza nos olhos, querida. lembre desse amor que despedaçou, com aquele mesmo sorriso que me davas ao comer o primeiro doce.
o que não tem remédio, remediado está. e isso não fui eu quem inventou: foi o tempo.
apruma esse peito! lembre que é outono, e não se deve ter melancolia em nossa estação do ano preferida.

com amor (inteiro),
Bisa.

ps.: compre um abacaxi grande. reserve quatro xícaras de açúcar e duas gemas para o creme.
separe mais dois copos de leite, três ovos, duas colheres de manteiga, dois copos de açúcar, quatro copos de farinha de trigo, duas colheres de fermento em pó e o nosso principal segredo: amor, esse incondicional que tens nos olhos, no peito e nas mãos. traz isso tudo aqui pra casa na sua próxima folga. 
e vou lhe ensinar a não ter mais medo dos sabores do passado;

ps2.: talvez seja apenas impressão. e o amor esteja inteiro, ainda, onde sempre esteve. e sua miopia não te deixou ver... 

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sábado, 2 de abril de 2016

.pelo tempo.



...

você sempre pediu que eu tivesse coragem.
pra atravessar rios, pular de grandes alturas, escalar montanhas, olhar pra baixo do trigésimo terceiro andar sem vertigem.
você sempre pediu que eu perdesse o medo.
de sentar sozinha e pedir um café gelado ao garçom quando é outono, de arriscar saltos maiores que meus próprios passos, de cantar, de dançar, de amar outra vez.
você sempre temeu que eu fugisse.
e foi nessa de destemer o mundo que eu saí de casa e te deixei pra trás, sem eira, beira nem perdão.
porque eu não me perdoaria se fosse você.
mas te perdoaria, se fosse eu, e te visse partindo pra seguir seus sonhos, sem ter medos aparentes, só porque um grande coração te ensinou que a vida quer que a gente sorria, doa o que doer.

hoje eu faço as malas outra vez, devagar, como alguém que empacota a vida com delicadeza, pra não perder nenhum detalhe.
apertando por todos os lados, pra caber tudo e pra quando for a hora.
que ainda demora.
que até lá, dá tempo da gente se estender a mão e caminhar um pouco juntos.
que, se você não se importar em ouvir a mesma canção todos os dias, em ser fotografado a cada esquina, em fazer parte de cada um dos meus poemas e em usar expressões fortes como "pra sempre" e "amo você", 
vai ser um prazer não te deixar pra trás dessa vez...

segunda-feira, 28 de março de 2016

[nota nº 28]

disseram-lhe, uma vez, que não deveria deixar de sonhar, acontecesse o que fosse.
e assim o fez... 
a cada dia escrevia um sonho novo no coração e, sem estipular hora, mês, ano, deixava cada um ali, na esperança de que se realizasse. 
e realizava. 
porque sonho é às vezes como margarida, como girassol: a gente coloca a sementinha na terra, rega todos os dias, cuida com carinho, até florir em cor.
hoje, a cada vez que abre a caixinha de memórias, se depara com um pequeno desejo que cresceu e, silencioso, se tornou real. do jeito que tinha que ser, superando o que fosse, deixando algumas marcas por dentro, com a delicadeza de curar qualquer medo que viesse a se transformar em dor... 
em dias como esses, em que a gente não sabe muito que rumo tomar; nem do que se arrepender; nem que lembrança curar; que a gente não perca, então, a poesia... a esperança... o amor... a fé... 
e que a gente não deixe nunca, nunca, de sonhar.
amém.




quinta-feira, 24 de março de 2016

[terceiro dia]

"é terrível a existência de duas retas paralelas porque elas nunca se cruzam. 
e elas apenas se encontram no infinito"



"porque você e eu, a gente é feito de matéria escorregadia.
isto é:
manteiga, azeite, geleia, espanto"

segunda-feira, 14 de março de 2016

.do verbo haver.

de tanto fazer e desfazer as malas, há de chegar o dia em que sentirás vontade de ficar. de criar raízes, de estabelecer laços, de pedir uma xícara de açúcar para a vizinha, de assar bolo de maçã aos sábados, de "pegar" uma praia aos domingos e ir ao teatro antes de anoitecer.

há de chegar aquele dia em que não questionarás mais a liberdade, sentindo orgulho da tua solidão. que te fez forte. que te deu coragem. que te levou lá longe. que te deu abrigo. que te salvou da dor. que te preparou pra ser uma boa companhia. pra si, pro outro, pra quem vai chegar.

há de chegar o dia, e eu sei que não demora, em que sentirás o desejo de pertencer... ao chão. ao céu azul. ao novo. ao velho. às ruas. às calçadas. aos prédios. aos jardins. ao amor. e não sentirás mais o desejo de partir. e terás motivo para ficar. erguer paredes. plantar rosas. pendurar quadros. abrir janelas. portas. coração. 

.de tanto fazer e desfazer as malas.

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quarta-feira, 9 de março de 2016

.do livro de cartas [já vai chegar o outono].

daqui a pouco é outono e eu já posso sentir seu sorriso daqui. 
não há mais o que eu possa dizer, Alice, a não ser pedir que me perdoe. 
é que eu não saberia corresponder ao seu amor doce, nem conseguiria complementar suas alegrias tristes. e eu sinto muito pela minha covardia. e entendo... se não quiseres voltar nunca mais.
talvez seja mesmo isso que deva fazer... seguir sua vida, construir seus sonhos, realizar seus planos, viver seus amores. pegar todas essas coisas bonitas que você vive e transformar em realidade. 

[essa é a sua chance do ano para ser feliz, querida]

você sabe. 
é assim. 
todos os anos, os outonos te entregam, em mãos, a chance de construir um caminho mais bonito, para conseguir enfrentar as outras estações e renascer pelo tanto que seu coração não suporta mais as destemperanças do verão.

por isso, peço que não se guarde nesse choro e me esqueça, se for preciso. vai dar tudo certo, eu te prometo! um dia [até] eu corro e te alcanço, quando a gente não precisar mais sofrer para chegar em nosso destino. por enquanto, te deixo e isso é tudo que posso te dizer. me guarde em mágoa, mas por favor, não tenha dor ou ódio do amor...

um afago em sua alma.
Salvador.

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sábado, 27 de fevereiro de 2016

[do livro de cartas]

Bisa me ensinou, Salvador, que a gente não deve ter medo. nem fugir do que é nosso por destino. e é por isso que eu continuo aqui. porque se a gente não for dessa coisa de estar pra sempre no caminho um do outro, eu não sei o que a gente é. e é por isso que eu te peço, de todo coração: não tenha medo, querido... de sonhar, de voar mais longe, de retratar o mundo, de sentir o amor. porque toda vez que você teme a vida, Salvador, é como se caísse um mundo de nuvens carregadas de chuvas e trovoadas em cima do meu coração. e tudo nubla aqui dentro. e eu perco a vontade, perco a alegria, perco a coragem, perco a esperança...

{e que pode a vida se tornar, com tantas coisas perdidas assim?}

lembro Guimarães Rosa dizendo em um daqueles contos que tanto gosto, que o que a vida quer da gente é coragem. acho que é bem isso mesmo, sabe? e é por isso que juntei minhas economias e chego aí antes que o verão acabe. não quero que a vida me lembre como alguém sem viço, sem brilho nos olhos, sem força, sem determinação, guardando apenas todo um amor que não deu certo, só porque a gente não teve coragem de amar.

certo, Salvador, é que se continuares com medo, ainda assim lhe perdoarei. porque aprendi a não lhe guardar rancor e a não lhe culpar por um sentimento que precisa dos nossos olhos pra amadurecer. tenho paciência. e me espere chegar antes do pôr do sol.



"o meu amor sozinho
é assim como um jardim sem flor
só queria poder ir dizer a ele
como é triste se sentir saudade"

e
com um vento fresco desse quase outono,
Alice

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domingo, 21 de fevereiro de 2016

.uma carta para Ana.

eu nunca tinha visto o sol nascer, até a gente precisar entrar naquele ônibus às cinco da manhã de uma sexta-feira, para começar uma saga que poderia nos trazer a melhor ou a pior notícia dos nossos dias. como tudo na vida, não tínhamos, ainda, certeza de nada. só medo de que não desse certo dessa vez, como sempre deu, e tivéssemos que iniciar uma corrida maluca contra o tempo e as nossas vontades... graças a Deus ficou tudo bem outra vez. e aquele se tornou o nascer de sol mais bonito da minha vida.

já passamos por muitas coisas juntas e isso me alegra. teve o mar, teve o Cirque, teve dia de feira, teve passeio no shopping, teve o show do Roberto e os olhinhos brilhando como nunca vi. do mesmo jeito que teve trabalho de segunda a segunda para que não faltasse nada em casa. do mesmo jeito que teve choro tarde da noite, silencioso, mas que a gente (e só a gente) sabe porque existiu. do mesmo jeito que surgiram sacrifícios inimagináveis para que eu caminhasse entre tantos cacos sem me ferir.

em tempos como os de hoje, em que a gente vai se esquecendo de amar um pouquinho a cada dia, eu me sinto feliz por andar na direção contrária e poder dizer que eu aprendo o amor do seu jeito mais puro... a cada abraço que a gente divide, a cada ligação que a gente termina, a cada sorriso que a gente compartilha, a cada força que a gente se dá, a cada crença que a gente se dedica, a cada conselho que a gente se escuta. 

é que eu não espero muito da vida, sabe? mas eu sinto que ela fica completa quando seus olhos cor de abacate olham cá dentro dos meus e acreditam em cada passo que eu dou, mesmo sem enxergar muito bem qual a direção nem a importância do caminho. é que as rosas no meu braço desenham as roseiras do nosso jardim, só pra que até assim a gente fique mais perto: a senhora com as flores com perfume e eu, com as flores de tinta que parecem ter saído das suas mãos e coladas em mim.

sabe, mãe. a gente não sabe até onde essa vida vai dar, nem se vai ser mais fácil um dia, nem se a gente vai aguentar isso tudo por tanto tempo. mas uma coisa eu sei: enquanto a gente seguir juntas por aí, não vai ter imensidão que vença nosso coração. só vai ter amor. e é pra sempre.

com carinho,




quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

.você se importa?


eu não me importo se você só tem camisas nas cores preta e azul marinho, enquanto meu guarda-roupa parece um arco-íris, de tanta cor.
não me importo se você prefere dormir ou ver um filme, enquanto meus pés se coçam pra ir pra rua pular carnaval.
e nem ligo se ainda são onze horas da noite de uma sexta-feira e você já tá aí, pingando de sono porque trabalhou demais a semana toda, e eu ainda tô ligada no 220, querendo ver o sol raiar em um bar qualquer.
não me importa se você parou de beber há quatro meses pelo bem da sua saúde e do seu espírito, e se bebe água mineral durante toda uma festa, enquanto eu peço logo duas doses de conhaque só pra começar.
não ligo se você preferir cravos e margaridas, enquanto eu só tenho olhos pra rosas e girassóis.
e também não vou me importar caso você precise sair às pressas do jantar mensal com aqueles amigos mais próximos só porque sua mãe se sentiu sozinha e inventou que não consegue mais se levantar do sofá. eu vou achar bonito, até. e vou ser a primeira a pagar a conta, enquanto você chama um táxi pra gente "voar direto pra lá". outra vez...
eu não me importo se você prefere cinema a teatro.
não me importo se você gosta mais de mpb que rock n' roll.
e não me importo em fazer o café mais forte às segundas-feiras, só pra você acordar.
nem ligo se tivermos que ir pro sul nas férias de julho enquanto "o Rio de Janeiro continua lindo" e meu corpo pede água com sal.
nem vou me zangar de ouvir "A Hora do Brasil" quando você me buscar no trabalho no meio de uma semana confusa de trânsito e caos, só porque você quer se informar e aproveitar sua última hora pra saber das notícias.
eu não me importo com tudo isso e com mais uma porção de coisas. juro! mas o que mais me entristece é essa sua insistência em se preocupar com tantas importâncias insignificantes e teimar em não chegar. isso é o que me importa: esse seu eterno atraso, que faz com que eu quase me canse.
quase. porque cá no fundo. eu não me importo. 
e espero. 
até mais um dia acabar...




domingo, 14 de fevereiro de 2016

.ah, fevereiro!

Belo Horizonte me ensinou a amar o carnaval. do jeito dela, foi colocando brilho e confetes no meu fevereiro, transformando o coração numa compassada bateria de samba enredo. 

não. ela não me deu aqueles grandes desfiles com arquibancada e alegorias. no lugar disso, ela me deu a rua, que tanto amo desde criança, pra que eu pintasse com as cores e os sorrisos que eu quisesse. 

e eu fui lá e pintei: o rosto, os pés, os braços, o coração. me enchi da alegria de um carnaval que eu não vivi na infância, mas que pareceu sempre me pertencer, a cada esquina em que os blocos viravam, entoando milhares de vozes em qualquer canto, transformando tudo em um só. 

e essa cidade, sorrateira, me dizia baixinho: 
"não se preocupe agora com a saudade!
vai e faz do teu compasso um eterno festejar".

porque enquanto a gente se coloria, vinha também a certeza de que nada mais seria como antes, depois de fevereiro. e a gente sabia, de um jeito só nosso, que aquele era o começo de uma despedida que duraria ainda um pequeno tempo, mas que cessaria antes do próximo carnaval...

"eu queria 
que essa fantasia 
fosse eterna"



.o sol se pondo no Mirante Mangabeiras, no meu último dia de carnaval.


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

.do livro de cartas [já se foi o carnaval].

o que aconteceu foi o amor, Salvador. e toda vez que ele acontece, eu saio em cacos de alguma forma. eu não queria me preocupar. porque é fevereiro, tem o carnaval e eu me acabei por essas ruas tentando esquecer as respostas. a gente se fantasia pra vestir um personagem que a gente não é, mas queria ser. se fantasia porque assim esquece as tristezas em meio a tanto brilho e tanto sorriso. se fantasia porque vez enquando é bom morar dentro da alegria e das cores pra ver se o tempo passa sem tanto rancor.

eu me pintei, eu me colori, eu dancei, eu sorri... como você jamais viu. mas acontece que o tempo é tão veloz, meu querido. e logo chega a quarta-feira de cinzas e eu começarei aquela luta sem fim pra viver até chegar o próximo outono. a gente não tem culpa, eu sei. por isso acho melhor que todo esse meu eterno festejo tenha logo um fim. determinado, seguro, partindo... porque você merece morar nas coisas felizes dessa vida, Salvador. e as minhas felicidades estão distantes demais das suas pra que elas resistam sem tanto confete e serpentina.

Vinícius (de Moraes) já tinha avisado que tudo se acabaria na quarta-feira. e que felicidade é como "pluma, que o vento vai levando pelo ar". então, tome pra você todo aquele brilho que eu inventei pra colorir nosso verão. que a gente se encontra em outros carnavais, com outros sorrisos e, desejo, que com outros corações.

com um afago em sua alma.
Alice.



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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

.ritual da espera.

se as borboletas ainda batem asas dentro do seu estômago, é sinal de que estás viva, minha querida. e de que podes sentir, diferente do que pensaste na última primavera. não se feche pra essa verdade bonita: nasceste pro amor. pra olhar pras coisas pequeninas com ternura e carregar todas elas dentro do peito. não te preocupes com o que dizem. faça como lhe ensinei: deixe que todas as desavenças passem direto pelos teus ouvidos, sem fazer morada no coração. não deves guarda-lo no que te faz triste. deixe espaço pras simplicidades, pras delicadezas, pras paixões. porque eu li nas cartas daquele tarô antigo, que não demora muito pra tua companhia chegar. e tens que acreditar que ele lhe trará o tom que faltava pra lhe preencher todos os vazios.


Com amor,
Bisa.

ps.: coloque um pouco de água para esquentar, direto no fogão. antes de levantar fervura, coloque duas rodelas de limão, daquele verdinho que tenho no quintal. acrescente canela em pau (nada daquele pó industrializado) e apague o fogo assim que ferver. deixe descansar por vinte minutos, se preferir, coloque uma colherzinha de mel pra adoçar. beba bem devagar, sentindo o gostinho de cada gole. isso vai aliviar e distrair seu coração enquanto espera.

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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

.desavença.


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esperei te encontrar pelas esquinas dos meus últimos dias. não porque tivesse saudade. mas porque, de um jeito que não explico, você parece me chamar em silêncio há semanas. fazia tempo que isso não acontecia assim, repetidas vezes. porque antes era certeiro: bastava a alma ouvir seu chamado, que o coração logo me guiava pro mesmo passo seu. Bisa diria que não me adianta fugir. que é coisa de intuição, de destino, de vida conspirando a favor. de toda forma, ando desviando meus caminhos. evito companhia e convites que me tirem de casa. desconfio até de qualquer armação dos dias que tente me virar da rotina. caminho cabisbaixa, com os olhos parados e a música alta, que é pra não sair do eixo. tenho cuidado. vai que um dia desses eu me distraio e te esbarro? por agora, eu só espero te encontrar em qualquer esquina. porque enquanto espero, não me surpreendo... são as surpresas que mais me apetecem, e desestabilizam o coração...

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domingo, 17 de janeiro de 2016

.do livro de cartas.

Salvador, meu querido!

quanta alegria brotou em meu peito com a chegada de seu último bilhete! corri abrindo as janelas desse janeiro úmido, só pra entrar ar e minha felicidade sair por aí, contagiando esses dias frios. janeiros não são bons pra mim, você bem sabe. por isso me ocupo tanto: pra não me lembrar da dor. então, pelos próximos 14 dias, decidi que vou me ocupar de você; vê só que coisa mais bonita! vou encher meus dias com a alegria do teu sorriso, colorir as tardes com a leveza das tuas palavras, dormir todas as noites com a esperança do teu encontro. 

me aguarde quando for outono, hei de bater em tua porta.
para que as despedidas sejam breves, e não nos reste nenhuma mágoa.

com amor, 
Alice.


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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

.sobre a calmaria.

a felicidade não tem fórmula. 
chega sorrateira, como se dançasse um ritmo fácil, desses que a gente segue mesmo sem saber o passo. 
e é nesse ritmo que minha alma vem dançando há alguns meses. 
é lógico que elas, às vezes, tropeçam e pisam em seus próprios pés. 
ou desaceleram confusas, num “dois pra lá, três pra cá”. 
mas a alma sabe que é difícil ser felicidade o tempo inteiro. 
e se entendem, no fim, sorrindo das desavenças. 
se fazem companhia, se abençoam, se afeiçoam. 
e, juntas, fazem com que eu caminhe também...


[se minha felicidade fosse escolher uma música para dançar hoje,