Dizem
que nasceu em uma dessas manhãs bem frias de julho, em que não é permitido sair
de casa sem meias para proteger os pés. Não tinha sol. Assim como também não
havia solidão nos olhos ou palavras que fizessem algum sentido, mesmo que
tivessem a mínima importância. Cresceu assim. Preferira que fosse outono, claro,
mas como sempre disse, “a gente não escolhe quando chegar e nem tem coragem
suficiente pra decidir quando partir”.
Nunca
se queixou da vida, nem foi de criar muitos sonhos ou expectativas. Era meio feliz
e só. Quando criança, não pensava em envelhecer. Foi deixando o caminho ser
traçado, no tempo dele, com todas as implicações e docilidades que isso pudesse
significar. Era dessas pessoas que choram em público e que carregam a
fragilidade nos olhos. Não tinha pressa de viver, até porque sabia que quanto
mais adiasse a vida, mais longe se manteria da morte e da dor.
Tinha
dias, no entanto, em que entristecia e queria partir. Viver em qualquer outro
lugar que pudesse lhe trazer algo novo. Perto ou distante. Não importava. Aí,
quando era assim, eu só dizia a ela que as coisas iam melhorar, embora eu mesmo
desacreditasse nisso algumas vezes. Então eu apagava as luzes. Cobria-lhe os
pés gelados com a coberta encolhida no pé da cama. Dava-lhe um beijo na testa e
ela sorria confortada, meio feliz, meio sofrida como passou a ser. Imagino que
se sentia menos só quando era assim. Imagino que fechava os olhos todas as
vezes pensando: “até quando, meu Deus!”.
Deus.
Porque
fé ela ainda tinha.
O
que eu gostava mesmo era dos dias em que ela ficava satisfeita e gargalhava da
vida feito criança. Daí fazia planos, prestava conta do dinheiro que guardava,
pensava em viajar, em arrumar o cabelo, comprava uma roupa nova, e me parecia
ter sido feita pra viver assim: na alegria das pequenas coisas. Nesses dias, a
esperança dela redescobria a minha e, automaticamente, o mundo parecia menos
vazio e a minha solidão ficava um pouco menor.
Meu
medo maior era de que ela desistisse, ‘entregasse os pontos’, como dizem por
aí. Meu medo era que ela se doesse muito, ainda mais do que já doía, e
resolvesse parar de acreditar nas manhãs. Meu medo era que ela perdesse as
forças e eu não tivesse coragem suficiente pra lhe amparar e pra lhe cuidar as
tristezas. Meu medo era que ela não suportasse e, assim, minha vida se tornasse
insuportável também.
Ela
não aprendeu a dizer “eu te amo”, mas eu lhe dizia sempre que a saudade
apertava ou quando eu sentia simplesmente que a minha vida seria pra sempre um
buraco vazio sem ela. Daí a gente se sorria, mudava de assunto e tudo
continuava como tinha que ser: em silêncio, como quem crê na beleza dos
recomeços.