domingo, 23 de setembro de 2012

. lettre de printemps .

21 de setembro de 1990

Querido Salvador,

em dias assim, meio frios e nublados, sinto vontade de lhe escrever. Lembro a garoa fina que cai nas suas tardes, penso nas conversas longas ao telefone e me recordo como eram alegres as suas chegadas e como suas partidas levavam sempre um pouco de mim.
Já é noite, entra um vento fresco pela janela aberta e eu fico me perguntando o que você tem feito, como reagiu sua mãe, como ficaram seus irmãos. Tive tanto pra lhe falar, tanto! Mas creio que a vida estava determinada quando organizou nosso desencontro, porque nunca mais descobrimos onde fica o caminho de volta.
E embora tudo pareça estar no mesmo lugar, não está porque hoje eu não sofro mais. E quando sofro, faço silêncio, levo uns dias pra digerir, mas resolvo tudo comigo, sem mágoa, sem amanhã, sem dor.
Poderia lhe dizer que houve um inverno mais triste, que aquele meu verão de 87 e que nunca aguardei com tanta ansia, a chegada de outra estação (salvo os outonos). A verdade é que queria ligar, pedir pra me ajudar, pra me tirar daqui, dizer que ainda há esperança na vida, que o descaminho da nossa última conversa, no Natal passado, se foi. A gente podia tomar um chá, o clima aí também é bom pra cafés... poderíamos cruzar a cidade inteira de metrô, mas eu só não queria acordar aqui em mais um aniversário seu.
Porque tudo perdeu um pouco o rumo, a razão e a certeza. E de repente, essa cidade com suas milhares de ruas iguais, ficou pequena demais pra mim.
Sei que você vai pensar que estou escrevendo pra tentar recuperar amor ou pra refazer os planos de casa-lilás-com-varanda-lua-rede-rosas-e-grama-no-quintal. Mas não! Acontece só que de repente deu uma vontade disfarçada de recomeçar...
Não. Não se assuste porque não vou chegar aí às duas da manhã como da última vez. O céu cheio de neblina, seus olhos cansados esperando o avião, os meus felizes ao te ver...
Não é nada de especial. Queremos as coisas depressa demais, não é mesmo? 

Sinto saudade.
Com todo o amor,

Alice

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